Na era da tecnologia onipresente, o uso constante de smartphones, computadores, videogames e televisão se tornou uma parte integral da vida cotidiana nossa e de nossas crianças e adolescentes.
Parece que esquecemos como era a vida antes dessa imersão tecnológica, como se tudo anterior ao uso dessas tecnologias tivesse se perdido em um passado distante. No entanto, surge a pergunta: até que ponto é saudável submeter crianças e adolescentes ao constante uso dessas telas, que se tornaram sua principal forma de interação com o mundo?
1 — Como o uso de tela pode impactar na saúde das crianças e adolescentes?
O uso excessivo de telas por crianças e adolescentes pode ter impactos significativos nas funções executivas do cérebro, essenciais para o planejamento, organização, autocontrole e tomada de decisões. Quando passam longos períodos diante de dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets ou computadores, sua capacidade de concentração e atenção tem o potencial de ser comprometida. O constante estímulo visual e sonoro dessas telas pode sobrecarregar o cérebro em desenvolvimento, dificultando o processamento de informações e prejudicando a memória de trabalho.
A multitarefa, tão comum durante o uso de telas, pode parecer produtiva, mas, na verdade, dispersa a atenção e reduz a eficiência cognitiva. Isso tem potencial para resultar em dificuldades no planejamento de tarefas, na capacidade de priorizar atividades e na habilidade de seguir instruções de maneira consistente. O acesso constante a entretenimento instantâneo pode minar a capacidade das crianças e adolescentes de tolerar o tédio e perseverar diante de desafios, aspectos cruciais para o desenvolvimento da resiliência e da perseverança.
Outros riscos envolvem os mecanismos de gratificação que existem na internet. Nas redes sociais, o famoso “Like” e a constante procura por aceitação podem causar danos à autopercepção e prejudicar a autoestima. Crianças e adolescentes têm maior chance de serem mais influenciados que os adultos e comentários negativos ou sugestões têm a capacidade de fomentar atitudes perigosas e até ações agressivas contra si ou a terceiros.
No que diz respeito aos games digitais, particularmente os mais novos no mercado que seguem modelos pay-to-win ou pay-to-progress, ou aqueles que propõem recompensas por assistir a vídeos, é crucial identificar os mecanismos de estímulo e gratificação que são ainda mais intensos do que em outros passatempos eletrônicos que não aderem a esses modelos. Esses mecanismos são projetados para manter os jogadores engajados, incentivando-os a permanecerem interagindo com o jogo.
Esses estímulos podem prejudicar o desenvolvimento intelectual em todas as faixas etárias, mas seu impacto é particularmente preocupante em idades mais jovens, onde o cérebro ainda está em fase de evolução. Nesta etapa crucial, a exposição a mecanismos de gratificação tem potencial para prejudicar o desenvolvimento cognitivo e social das crianças. Isso pode comprometer seu progresso acadêmico e bem-estar emocional a longo prazo.
A exposição a esses mecanismos aumenta significativamente o risco de desenvolvimento de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), além de dificultar a capacidade de se engajar em atividades que não oferecem gratificação imediata, contribuindo para um comportamento mais imediatista na criança. Tarefas que demandam esforço prolongado até a obtenção de resultados, como leitura, aprendizado de instrumentos musicais, estudo e trabalho, tornam-se particularmente desafiadoras de serem sustentadas.
De acordo com o estudo de Keles, McCrae e Grealish (2019), sintomas ansiosos, impulsivos e compulsivos são mais frequentes em crianças e adolescentes expostos em excesso às telas, e esses sintomas podem persistir até a vida adulta.
Já na fase adulta, indivíduos impulsivos e inclinados à gratificação imediata enfrentam dificuldades para manter empregos estáveis e podem apresentar falta de controle financeiro.
2 – Principais riscos e alterações do uso de tela excessivo por crianças e adolescentes segundo o Manual de Orientação sobre a Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
– Dependência Digital e Uso Problemático das Mídias Interativas;
– Problemas de saúde mental: irritabilidade, ansiedade e depressão;
– Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH);
– Transtornos do sono;
– Transtornos de alimentação: sobrepeso/obesidade e anorexia/bulimia;
– Sedentarismo e falta da prática de exercícios;
– Bullying & cyberbullying;
– Transtornos da imagem corporal e da autoestima;
– Riscos da sexualidade, nudez, sexting, sextorsão, abuso sexual, estupro virtual;
– Comportamentos autolesivos, indução e riscos de suicídio;
– Aumento da violência, abusos e fatalidades;
– Problemas visuais, miopia e síndrome visual do computador;
– Problemas auditivos e PAIR (Perda Auditiva Induzida pelo Ruído);
– Transtornos posturais e musculoesqueléticos; e,
– Uso de nicotina, vaping, bebidas alcoólicas, maconha, anabolizantes e outras drogas.
3 – Recomendação de Tempo de Tela para Crianças e Adolescentes segundo a SBP
Antes dos dois anos – Evitar ao máximo exposição a telas
2 a 5 anos – Máximo de uma hora, com supervisão dos pais
6 a 10 anos — Entre uma e duas horas
11 a 18 anos – Entre duas a três horas
Evitar o uso de aparelhos eletrônicos durante as refeições e, idealmente, pelo menos uma ou duas horas antes de dormir, é uma prática recomendada. É aconselhável que crianças e adolescentes não utilizem tecnologia em locais isolados. Incentivar o uso em áreas comuns, como a sala de estar, permite uma melhor supervisão por parte dos adultos responsáveis.
4 — Conclusão
Nos dias atuais, é quase impossível afastar nossos filhos das telas, dada a integração desse meio em nosso cotidiano e o fato de que eles nasceram em uma era onde a tecnologia domina. No entanto, a intervenção dos adultos na regulamentação do uso de telas por crianças e adolescentes pode desempenhar um papel crucial na redução dos riscos de desenvolvimento de prejuízos que poderiam impactar significativamente a maturação cerebral e, por conseguinte, influenciar o curso de suas vidas.
Um dos aspectos preocupantes dessa imersão no “mundo das telas” é a privação do contato social, que pode resultar em atrasos na fala e no desenvolvimento comportamental. Bebês, por exemplo, aprendem a se comunicar imitando os sons e gestos dos adultos ao seu redor. Quando estão excessivamente envolvidos com telas, existe o risco de que esse processo de aprendizagem seja prejudicado, levando a um atraso no desenvolvimento da linguagem.
Crianças expostas de forma excessiva às redes sociais e aos jogos eletrônicos podem desenvolver traços impulsivos, como agir sem pensar, emitir respostas precipitadas e demonstrar agitação excessiva. Esses comportamentos podem ter ramificações significativas em sua capacidade de concentração, tomada de decisões e interações sociais, impactando não apenas sua infância, mas também seu desenvolvimento ao longo da vida.
Pais e responsáveis devem monitorar a duração e a natureza da exposição das crianças às telas. Eles devem buscar um equilíbrio entre o uso da tecnologia e atividades que promovem o desenvolvimento cognitivo, emocional e social de seus filhos.
Fontes: Sociedade Brasileira de Pediatria; American Psychological Association